sábado, 13 de dezembro de 2014

Cavalo azul - A despedida

Era quarta-feira a tarde, fazia sol e por debaixo das árvores do sítio eu observava um cavalo. Não era um cavalo da família este que me visitava, era um animal que de alguma forma vinha comer as poucas frutas do quintal, então naquele dia, o vi comendo bananas e abacate caído no chão. Foi quando iniciamos nossa amizade. Cada um em seu devido lugar, com seus pensamentos e consciência do quão perigoso poderia ser caso um de nós se aproximássemos.


O pé de abacate sempre forneceu uma sombra maravilhosa, se não fosse a ausência de um gramado para se deitar em suas raízes. Muitas das vezes que nos vimos, foi entre sombras fornecidas gentilmente pelas árvores com todo esplendor dos raios de sol ao fundo, fortalecendo a imagem que ainda tenho dos pelos escuros, entre a pelagem de um alazão fígado e o cavalo árabe do filme ‘O corcel negro’, entre os poucos sons que emitia enquanto me olhava ou mastigava uma fruta e entre minhas lições de casa e brincadeiras fora de casa.


Quando larguei o medo e resolvi ir vagarosamente até ele, havia um terremoto dentro de mim. Os tremores eram tão intensos que ele parou de comer a fruta, levantou a cabeça de vagar e me olhava como quem dava uma risada sorrateira. Ele não acreditava que um ser tão pequeno iria mesmo tocá-lo mas resolveu ficar ali parado, esperando pelo momento em que minha mão tocasse seu rosto. O sol ainda estava quente no céu e nem mesmo a sombra conseguiu ocultar a mais bela imagem que guardo na mente: seus pelos escuros, quando visto de perto eram azulados. O fascínio pela tão gentil espécie e tão grande beleza agora me fazia entender o porque eu vinha a este local e o queria por perto.

Passamos então por muitos outros momentos juntos. Nunca nos perguntamos de que famílias pertenciam, para onde íamos depois do ‘até logo’ ou o que cada um queria do outro. Eu tratava de aproveitar cada momento ao lado dele e ele entendia. Sabia que as maçãs que passei a levar à ele, eram tão saborosas ou mais ainda do que as frutas que o sítio oferecia, sabia também que não havia tempo para montaria, e pela primeira vez em um final de semana o vi deitado sobre a sombra fresca do abacateiro. Ele não me esperava como antes mas resolvi não questionar. Sentei-me ao seu lado, comecei a falar das coisas que fiz aquele dia até que o vi triste. Ele não era um cavalo de relinchar com frequência, e talvez por isso, me olhava com a cabeça inclinada como se dissesse que era seu ultimo dia, que era o mais incerto dos seus dias.

Sem dúvidas aquele era o pior momento da minha vida. Segurei seu rosto e apoie sobre meu joelho. Alguns raios de sol tocaram por entre as folhas do abacateiro, a sua crina e um maravilhoso tom azulado da pelagem novamente se fez notar. Parecia que não o via a tempos e resolvi agradece-lo por todos os momentos felizes que estivemos juntos. Aos poucos, uma grande luz invadiu meus olhos, tons de azul e amarelo se misturavam e a visão me falhou por algumas vezes e tudo o que me lembro é de algumas vozes ao meu redor.

Ainda sinto falta de vê-lo tranquilo sobre a sombra de uma das árvores do sítio.

FOTO: Corcel Negro by MAMR2009

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